terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A genética fracassou?


Os anos 2000 começaram com o anúncio de uma revolução. O código da vida havia sido decifrado. Estávamos prestes a entender as doenças mais misteriosas. E transplantes de DNA dariam conta dos distúrbios mais graves. Mas nada disso aconteceu até hoje. A revolução ainda está a caminho?

por João Vito Cinquepalmi

Escrever o manual de instruções de uma pessoa. Esse era o objetivo dos cientistas que começaram a mapear e sequenciar o genoma humano, em 1990. Um trabalho duro. A chave para desvendar nosso corpo estava em um código formado por milhares de genes, cada um deles com uma função definida - e completamente desconhecida. Com um mutirão de cientistas e computadores potentes, no entanto, o mundo achou que chegara a hora de entender tudo: por que ficamos doentes, nascemos com cabelos lisos ou crespos, sentimos mais ou menos dor do que os amigos. Entender por que uma pessoa funciona do jeito que funciona.

Seria uma obra revolucionária para a saúde do homem. Saberíamos com antecedência que doenças nos afetariam no futuro. Desligando genes que causam disfunções e ligando aqueles responsáveis pelo conserto, seria mínimo o risco de sofrermos de males hereditários. Acreditando nisso, o mundo comemorou quando o mapeamento do genoma humano foi apresentado em 2000, quase completo. Em coisa de 10 anos, diziam os líderes do projeto, viveríamos melhor. E mais.

Os 10 anos se passaram e o que foi prometido não aconteceu. Seu médico, leitor, ainda não sabe por que exatamente o câncer afeta pessoas saudáveis de repente. Nem prescreve remédios feitos só para você, de acordo com seu genoma. Mas por que a pesquisa genética fracassou em suas promessas? E uma pergunta mais importante: ainda tem chance de dar certo?

Promessa 1
Doenças desvendadas
Se tudo tivesse saído como imaginado, o Projeto Genoma teria desvendado a causa de doenças graves, como diabetes e câncer. O resultado do trabalho seria um manual mesmo: "Os genes BRCA1 e BRCA2 são responsáveis por suprimir tumores. Em caso de mau funcionamento, podem causar câncer de mama". De posse desse "livro da vida" (termo que os cientistas usavam), médicos saberiam exatamente como nos curar de doenças. E como evitar problemas de saúde que surgiriam no futuro.

Na prática, seria assim: todo mundo teria o genoma mapeado. O médico leria o DNA do paciente e procuraria por algum gene ou mutação capaz de provocar uma doença. Se encontrasse algo preocupante, prescreveria um tratamento que mexesse direto naquele gene. Diabéticos, por exemplo, sairiam com uma receita que regulasse o gene responsável pela produção de insulina. O Projeto Genoma mapearia os botões do corpo que ativam determinados processos - os médicos só precisariam ligá-los e desligá-los conforme necessário.

Mas esse cenário começou a desmoronar logo, assim que os cientistas mergulharam nos dados do genoma. Para começar, eles nem sabiam direito quantos genes teriam de decifrar. A princípio, acreditavam que o total ficava em torno de 300 mil. Depois chegaram ao número de 100 mil. E reduziram para cerca de 25 mil.

Era complicado mesmo estimar o número de genes. Eles estão bem escondidos no corpo. Para encontrá-los, o primeiro passo é olhar dentro das células, no núcleo. Lá estão os cromossomos que herdamos de nossos pais. Os cromossomos guardam o DNA, uma longa cadeia de substâncias químicas. O que os cientistas tinham de fazer era olhar para a espiral do DNA e apontar os pedaços dela que mandam o corpo produzir proteínas. Esses pedaços é que são chamados de genes.

A identificação deu tanto trabalho quanto o que você teria se resolvesse sair cavucando por aí para achar ouro. Ouro mesmo, porque os genes têm a função mais nobre no organismo: produzir proteínas. Tudo o que acontece no seu corpo é regulado pelas proteínas, como a cor do cabelo, a absorção de gordura, o transporte de oxigênio. E esse trabalho é feito de acordo com o que os genes mandam. Eles ordenam, as proteínas executam.

Além de valiosos, genes são raros no DNA. A maior parte da espiral é formada por "DNA lixo", como eram carinhosamente apelidados os trechos de DNA que não codificavam proteínas. Por isso, os cientistas tinham que vasculhar bem para definir o que era gene e o que era DNA lixo.

Descobrir quantos e quais são os nossos genes seria a primeira etapa para desvendar doenças. O raciocínio era baseado em uma equação simples e linear: cada gene produz uma proteína. Se fizéssemos um listão com todos os pares - gene e proteína produzida -, saberíamos exatamente em qual deles seria preciso mexer quando adoecêssemos.

Pena que essa tese estava errada. O mergulho nos dados do genoma mostrou que a história é bem mais complicada. Um gene pode estar ligado à produção de várias proteínas, não de apenas uma. E genes não trabalham sozinhos - interagem uns com os outros, o que resulta em uma nova leva de proteínas (veja mais no quadro à direita). "Ficou claro que há uma complexidade biológica que vai muito além da quantidade de genes que temos no corpo", diz Nicholas Hastie, diretor de genética humana do Conselho de Pesquisas Médicas do Reino Unido, órgão governamental que promove pesquisas médicas. A ideia de que bastaria interferir em um gene para resolver um problema que surgisse caiu por terra.

Na verdade, ela até ficou de pé, mas só para doenças mais raras. Essas, sim, são causadas por um único gene. Um exemplo é a doença de Huntington, um distúrbio neurológico que aparece entre os 40 e os 50 anos e provoca movimentos involuntários de algumas partes do corpo, como braços e pernas. Com um exame simples de sangue, é possível saber com precisão se alguém vai ou não ter o problema.

Para o resto das doenças, no entanto, é bem mais difícil encontrar uma resposta exata. No caso da obesidade, cientistas já descobriram 40 genes com alguma culpa no cartório. E esse número equivale a apenas 10% dos responsáveis genéticos pelo problema. Ainda é preciso correr atrás dos outros 90%.

Parece muito trabalho, mas pelo menos ainda estamos falando de um terreno conhecido dos cientistas. O pior é que o Projeto Genoma revelou um protagonista nessa história até então menosprezado: o DNA lixo, aquele que não produz proteínas. A pesquisa mostrou por que ele não mete a mão na massa - ele é mais um gerentão dos genes mesmo. "A grande surpresa do Projeto Genoma foi descobrir que o DNA antes considerado lixo é justamente o responsável pela interação entre os genes", diz Salmo Raskin, geneticista e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Genética, que trabalhou no projeto. Os cientistas começaram uma nova área de estudos, que nem imaginavam que enfrentariam. E perceberam que mapear e sequenciar o genoma não seria o fim de uma maratona. Seria o começo.

O QUE VOCÊ JÁ PODE SABER
As empresas que formam o varejão do genoma.
Qualquer um já pode ter o próprio genoma sequenciado. A Illumina oferece o serviço por US$ 19 500. Para quem não tem tanto dinheiro, a opção é recorrer a empresas como 23andMe, Navigenics e DeCode. Essas não sequenciam o genoma, apenas o vasculham à procura de genes e mutações ligadas a doenças (como comparar o seu DNA com um gabarito e ver se há algo errado ali). Na 23andMe, empresa que informou a Sergey Brin que ele corria o risco de ter Parkinson (e que tem a esposa de Brin como sócia), o serviço custa US$ 499. Nos EUA, essa indústria tem despertado preocupação. Em julho, uma agência do governo divulgou um teste-surpresa que havia feito com essas companhias. O resultado: as empresas deram avaliações diferentes lendo o mesmo genoma, e uma chegou a dar como praticamente certo o diagnóstico de câncer a uma das clientes fictícias. Para evitar abusos como esses, o governo tem conversado com as empresas para criar uma regulamentação para o setor.

Promessa 2
Remédios personalizados

John é um rapaz de 23 anos. Como está com o nível de colesterol alto, seu médico pede que ele se submeta a 15 testes genéticos. O resultado, pronto uma semana depois, traz um alerta: John tem um risco alto de desenvolver doenças do coração. Mas ele pode ficar tranquilo. Estamos em 2010, e a indústria farmacêutica já usou as informações do Projeto Genoma para criar remédios personalizados, capazes de combater especificamente o fator que coloca o corpo de John em perigo. Graças às drogas, o risco de John ter uma doença do coração cai ao mesmo nível do restante da população.

Essa história é fictícia. Foi escrita em 1999 por Francis Collins, então diretor do Projeto Genoma e atual diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. É assim que Collins imaginava que trataríamos da saúde hoje, em 2010. "A revolução genética está a caminho", dizia no fim do artigo, publicado no periódico The New England Journal of Medicine.

O Projeto Genoma despertou tanta euforia que os cientistas concluíram que logo teríamos um remédio para cada gene ou mutação genética capaz de gerar doenças em nosso corpo. Como aconteceu com John. Poderíamos até nos prevenir com vacinas personalizadas. E recorrer a uma espécie de transplante de DNA, por meio de mudanças no genoma.

O que estava a caminho, no entanto, era uma morte. Aconteceu em 1999. A vítima foi Jesse Gelsinger, um rapaz de 18 anos do Arizona portador de uma doença hereditária rara, chamada ornitina trancarbamilase. O problema é causado pela falta de um gene no fígado e tem como principal característica a dificuldade de eliminar amônia. Normalmente quem nasce com o distúrbio não vive mais de um mês, mas o rapaz sofria de uma forma branda da doença.

Gelsinger foi convidado a participar de estudos conduzidos pela Universidade da Pensilvânia. A ideia dos pesquisadores era transportar o gene que faltava até o fígado do rapaz, usando um vírus de resfriado. Vírus têm a capacidade de inserir seu próprio DNA nas células da pessoa que infectam. Os cientistas quiseram tirar proveito disso - com um vírus modificado, que carregaria o gene tão necessário à vida de Gelsinger. Quatro dias depois de feito o procedimento, Gelsinger teve falência múltipla dos órgãos. A hipótese levantada na época foi de que o sistema imunológico de Gelsinger teria disparado uma resposta muito severa ao vírus.

Foi a primeira morte relacionada à chamada terapia gênica, a linha de tratamento que propõe interferências diretas no DNA. Depois desse episódio, órgãos de segurança passaram a exigir mais cuidados. Investimentos privados em terapia gênica, que cresciam naquele período, minguaram nos anos seguintes. "O incidente marcou uma virada no setor e precipitou um rápido recuo tanto dos investidores como das grandes companhias", escreveu Paul Martin, professor da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, no livro Living with the Genome.

O susto concentrou as pesquisas nos remédios personalizados. Ainda que não tenham conseguido desvendar as nossas doenças, os cientistas já conseguiram desenvolver drogas específicas para pessoas que possuem mutações. Um exemplo é o Herceptin, lançado pelo laboratório Roche para pacientes com câncer de mama. O remédio funciona só com quem tem uma certa proteína que aumenta a agressividade do câncer. (No Brasil, a droga é distribuída pelo Instituto Nacional do Câncer e por hospitais públicos de Rio de Janeiro e São Paulo.)

É um dos avanços já garantidos pela ciência. Se ainda não dá para montar o quebra-cabeça completo das doenças, pelo menos já encontramos algumas peças. E podemos usá-las a nosso favor. É o que tem feito Sergey Brin, um dos fundadores do Google. Em 2004, ele descobriu que tem uma mutação no gene LRRK2, relacionada à doença de Parkinson. Brin não sabe se desenvolverá a doença. O risco está entre 20 e 80%, o que o coloca numa desconfortável posição entre "fique tranquilo" e "corra para o hospital". Mas ele já começou a trabalhar com o que pode. Aderiu a bebidas com cafeína e exercícios físicos, fatores que previnem contra o Parkinson segundo estudos. "Eu possuo dicas melhores do que qualquer outra pessoa sobre quais doenças podem me atingir no futuro - e tenho décadas para me preparar para isso", escreveu Brin em um blog que criou, em um post de 2008.

"Os testes genéticos permitem que a pessoa tenha mais controle sobre seu futuro", diz Aad Tibben, professor de psicologia da Universidade de Leiden, na Holanda. No caso de Brin, o controle durará décadas. Ele tem 37 anos, e a doença só deve aparecer na velhice, se aparecer. Está aí um dos dilemas éticos que surgiram depois de a euforia baixar. Conhecer a herança genética pode fazer uma pessoa se preocupar por toda a vida com uma doença que pode nem mesmo existir. E inclusive tomar remédios como prevenção, ainda que saudável. "Faz sentido alguém fazer testes para uma doença que só pode aparecer 30 anos depois?", pergunta Raskin, da Sociedade Brasileira de Medicina Genética.


ELE NÃO DESISTIU
Como Craig Venter passou de vilão dos humanos para Deus das bactérias.
O plano de Venter de ganhar dinheiro com a venda de informações conseguidas com o sequenciamento do genoma pode ter se frustrado. Mas ele conseguiu um lugar de honra na ciência mundial. Depois de deixar a Celera por divergências com outros acionistas da empresa, Venter se lançou em uma empreitada ambiciosa: criar uma vida artificial. Ele conseguiu. Em maio, anunciou ter criado a primeira forma de vida com um genoma produzido artificialmente, uma bactéria. É o primeiro passo para construir organismos muito úteis, que nos ajudem a produzir combustíveis ou combater doenças.

Promessa 3
Fama e fortuna
2000 foi o grande ano da biotecnologia. Com o anúncio de que o genoma estava quase mapeado, investidores colocaram US$ 39,9 bilhões nas companhias do setor - até hoje um recorde. Só nos EUA, o investimento saltou de US$ 8,8 bilhões em 1999 para US$ 32,7 bilhões em 2000.

Nem cientistas nem investidores sabiam naquela época, mas estava se formando uma bolha. "Muitos tinham grandes expectativas sobre as aplicações comerciais dos medicamentos que apareceriam depois do mapeamento e sequenciamento do genoma humano", diz Monika Gisler, pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia de Zurique, na Suíça, que estudou o desevolvimento da indústria de biotecnologia. O pessoal só não contava com uma possibilidade: a demora em transformar a pesquisa da genética em produtos.

Em pouco tempo os investidores ficaram impacientes. Companhias que tinham sido beneficiadas com a euforia se viram, de repente, sem dinheiro. Em 2002, a americana Avigen, que pesquisava tratamentos para a hemofilia e tinha sido destaque do The New York Times em 1999, anunciava o corte de 28% dos funcionários para sobreviver - sem receber investimentos, era preciso guardar o dinheiro que ainda existia. (A empresa acabou vendida em 2009, depois de quase falir.)

Para os cientistas, a bolha tinha começado até mais cedo. Duas décadas antes. Em 1982, a Food and Drug Administration (FDA), órgão americano que libera a comercialização de medicamentos, aprovou a primeira insulina humana sintética, feita com uma técnica conhecida como recombinação de DNA. A fabricante era a Genentech, da Califórnia. Esse primeiro produto biotecnológico foi o sinal de que as empresas poderiam ganhar dinheiro com isso.

Quem se aventurou primeiro foi Walter Gilbert, bioquímico que havia ganho um Nobel de Química em 1980 por seu trabalho de sequenciamento de DNA. Em 1986, Gilbert resolveu sair do Conselho Nacional de Pesquisa, um braço da Academia Nacional de Ciências dos EUA, para abrir a própria empresa. Seu plano: criar um catálogo com o código genético de uma pessoa e cobrar taxas de quem quisesse acessar o banco de dados. Os clientes seriam a indústria farmacêutica e a comunidade acadêmica. Mas os investidores ainda não tinham se convencido. Sem conseguir financiamento suficiente, o projeto de Gilbert não foi para a frente. E um Nobel se tornou o primeiro a fracassar na busca por fama e fortuna com o genoma humano.

Ele não foi o único a abandonar o governo para ganhar dinheiro. Em 1998, Craig Venter, ex-pesquisador dos Institutos Nacionais de Saúde, criou a Celera Genomics, uma empresa que desafiou o governo americano: com método de sequenciamento e tecnologias novos, prometia ser a primeira a decodificar o genoma humano. Venter queria patentear os genes mais relevantes, usar os dados para criar remédios e cobrar pelo acesso a seu banco de dados. Por querer dinheiro com a pesquisa, conquistou a antipatia de colegas e chegou a ser apelidado de Darth Venter, uma referência ao vilão Darth Vader.

Mas o plano dele com a Celera fracassou. O governo não gostou da concorrência, acelerou o passo e a corrida acabou em empate. Em junho de 2000, Venter e o líder do Projeto Genoma Humano, que a essa altura era Francis Collins, anunciaram juntos que 95% do genoma humano estava mapeado. Como o projeto público divulgou o mapa genético, a Celera - que em 1999 havia recebido investimentos na bolsa americana de US$ 944 milhões - não tinha mais como cobrar por seus dados. O resultado pode ter sido um grande passo para a humanidade, mas não deve ter agradado aos investidores da companhia.

Além de cientistas e investidores, farmacêuticas também acharam que o sequenciamento do genoma poderia dar muito dinheiro. Ainda em 1990 a Roche comprou 60% da Genentech, aquela que havia desenvolvido a insulina sintética. Foi uma forma de se preparar para desenvolver os remédios personalizados, que, acreditava-se, chegariam em breve. "Fizemos a compra porque precisavámos absorver o conhecimento que eles tinham nessa área", afirma Maurício Lima, diretor da Roche no Brasil.

Os negócios não vieram com a rapidez que se esperava. As apostas, no entanto, não foram desfeitas. Walter Gilbert pode não ter conseguido construir sua indústria da genética, mas Craig Venter já enxergou novas oportunidades (leia mais no quadro à direita). E as farmacêuticas ainda acreditam que os remédios personalizados virão. Em 2009, a Roche comprou o restante da Genentech por US$ 46,8 bilhões. As parcerias de laboratórios com empresas de biotecnologia dobraram entre 2005 e 2009. E o investimento em empresas do setor voltou a crescer, ainda que tenha sido no ano passado de apenas US$ 23 bilhões - 41% menos do que em 2000. "Ainda acredito que o sequenciamento do genoma nos trará remédios personalizados e novas ferramentas de diagnósticos", diz Douglas Fambrough, da Oxford Bioscience Partners, uma empresa de Boston que financia projetos de pesquisa genética.

As novas promessas
A primeira década dos anos 2000 foi um choque de realidade para quem apostou tudo na genética. Mas isso não significa que os esforços foram em vão. Não, a genética não fracassou. Só vai dar muito mais trabalho do que se pensava.

Para quem sofre de doenças como Parkinson, Alzheimer e câncer, as perspectivas ainda dependem de pistas: genes e mutações que comprovadamente influenciam nas panes que nosso organismo sofre. Mas ainda é preciso entender o que os faz agir e como para que possamos criar tratamentos certeiros. Para chegar a essas respostas, institutos no mundo todo pretendem sequenciar o genoma de milhares de pessoas (veja mais no quadro na página seguinte). É o crowdsourcing da genética.

Os custos para sequenciar DNA têm caído graças a novos métodos e ao avanço na tecnologia. O trabalho, que custou US$ 300 milhões a Craig Venter, já era feito por US$ 60 mil em 2009. "Com as tecnologias que têm aparecido, muitas pessoas em países desenvolvidos poderão sequenciar seu genoma dentro de 5 ou 10 anos", diz John Sulston, Prêmio Nobel de Medicina em 2002 e uma das lideranças do Projeto Genoma no Reino Unido. Esse sequenciamento em massa é decisivo para a ciência. Como sabemos que doenças graves não são causadas por um único gene, precisamos da comparação entre vários genomas para encontrar padrões entre eles. Assim saberemos o que há de comum entre todas as pessoas que possuem diabetes, por exemplo.

"Agora que os custos caíram, podemos começar logo a fase criativa e produtiva", diz George Church, professor da Escola de Medicina de Harvard e criador do primeiro método de sequenciamento genômico, feito nos anos 80. Church criou o Projeto de Genoma Pessoal, uma iniciativa que está reunindo voluntários dispostos a publicar seu genoma na internet. A ideia é sequenciar todo o genoma de 100 mil pessoas. Os dados ficarão disponíveis na internet, junto com uma ficha médica e fotos com as principais características relacionadas aos genes publicados. Tudo disponível para que gente de todo o mundo use os dados para pesquisas. "A informação pública é importante para que novas ideias venham de diferentes mentes. Não só de médicos especialistas, mas também de cientistas da computação, outras famílias com as mesmas características e educadores", afirma Church.

Outro programa que pretende aproveitar os custos menores do sequenciamento é o Consórcio Internacional do Genoma do Câncer (ICGC, na sigla em inglês), que vai catalogar todas as mutações do genoma humano relacionadas ao câncer. O objetivo é sequenciar o genoma de 25 mil pessoas, todas com um dos 50 tipos de câncer considerados mais graves.

Para conseguir tantos dados, o ICGC contará com representantes em 12 diferentes países. Eles usarão um método de pesquisa diferente: compararão duas células de uma mesma pessoa - uma saudável e uma cancerosa. Ou seja, dois genomas. Na saudável, os cientistas encontrarão o genoma original do paciente. Na cancerosa, o alterado. Dessa forma, os cientistas poderão ter certeza de que tudo o que existe só no DNA da célula doente está relacionado ao câncer.

Será um avanço em relação aos métodos atuais. Hoje as pesquisas comparam genomas de pessoas diferentes. O objetivo é o mesmo: colocar os códigos lado a lado e descobrir o que há de diferente no DNA de quem está doente. O problema é que o genoma de todos no mundo é quase idêntico - 0,01%varia de pessoa para pessoa. Portanto, quando comparamos o DNA de alguém saudável ao de alguém com obesidade na família, por exemplo, todas as diferenças encontradas podem ser simplesmente variações inofensivas do genoma. Não dá para cravar que os trechos divergentes têm relação com a doença.

"Poderemos tratar os pacientes de tipos diferentes de câncer de acordo com suas mutações", diz Andy Futreal, chefe do projeto no Wellcome Trust Sanger Institute, na Inglaterra, responsável pela área de câncer de mama do ICGC. A expectativa é que o trabalho seja finalizado em 10 anos. O Brasil já realizou um estudo como esse. Em julho, o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, de São Paulo, anunciou ter sequenciado dois genomas de uma mesma pessoa, o de uma célula tumoral e o de um linfócito sadio. O estudo ainda está em andamento.

Se entendermos como o código genético se altera em células diferentes, teremos a chave para descobrir o que dispara processos desejados e indesejados no corpo. Para gente como Craig Venter, a partir de agora podemos esperar os frutos mais importantes da pesquisa genética. "Vamos sequenciar diversos genomas dentro do mesmo indivíduo, a partir de fontes como células sexuais, células-tronco, pré-tumorais e cancerosas", escreveu Venter em um artigo publicado neste ano na revista científica Nature. "Isso vai possibilitar a escolha de células saudáveis para reprodução, além do entendimento sobre o processo de envelhecimento e de evolução dos tumores." Assim como Francis Collins registrou em seu artigo de 1999, Venter acredita que as promessas da genética serão cumpridas. Só não tão pra já. "A revolução está só começando", escreve ele.
A NOVA CORRIDA
Os institutos e projetos que devem acelerar a pesquisa daqui para a frente:

BGI
Instituto chinês, promete se tornar um polo mundial da genética. Quer sequenciar 10 mil genomas por ano, mais do que toda a capacidade dos EUA.

1 000 Genomas
Projeto internacional que vai sequenciar o DNA de 2 500 pessoas em 27 países (a meta inicial era de 1 000).

Biobank
Projeto britânico, quer criar o maior banco de DNA do mundo, com o genoma de 500 mil pessoas. Os voluntários terão seu registro médico acompanhado por toda a vida, para que os pesquisadores estudem suas doenças.

23andMe
A empresa dá desconto no sequenciamento a quem sofre de Parkinson: o preço do serviço cai de US$ 499 para US$ 25. O objetivo é estudar a doença. Interessados podem se cadastrar no site www.23andme.com.

ELEMENTO-SURPRESA
As descobertas que frustraram as promessas da genética:

No que acreditavam - Cada gene fabrica uma proteína.
A verdade - Cada gene pode produzir várias proteínas.

No que acreditavam - Os genes agem sozinhos.
A verdade - A interação entre genes pode dar novas funções a células.

No que acreditavam - O DNA lixo não tem função.
A verdade - O DNA antes considerado lixo na verdade regula a interação entre os genes.

No que acreditavam - Proteínas recebem ordens dos genes.
A verdade - Proteínas podem assumir novas funções de acordo com as reações químicas por que passam no corpo, a influência do ambiente em que a pessoa vive e o envelhecimento do corpo.

No que acreditavam - O código genético não muda.
A verdade - O sistema imunológico pode agir sobre os cromossomos ativando e desativando combinações de DNA.



Fonte: superinteressante

Quem são as quimeras humanas com dois tipos de DNA?


© Flickr.com/EMSL/cc-by-nc-sa 3.0
Essas pessoas são as "felizes contempladas" com dois tipos de DNA no organismo em vez de um. Elas podem transportar genes alheios durante anos, até o acaso revelar essa estranha mutação.

Porque é que eles são chamados de quimeras humanas? Até que ponto isso poderá influenciar a sua própria saúde e a saúde dos seus filhos? E de que forma eles poderão ser a chave que pode abrir as portas para o estudo de muitas doenças graves?
Assim, são chamadas de quimeras os organismos animais ou vegetais compostos de tecidos geneticamente diferentes. São conhecidos em todo o mundo os experimentos do grande pesquisador russo, pomólogo e geneticista, Ivan Michurin, que foi praticamente o primeiro a criar artificialmente quimeras vegetais por cruzamento de umas com outras para obter maiores colheitas e uma maior resistência aos fatores climatéricos adversos.
No entanto, o quimerismo acontece muito mais nas plantas do que entre os mamíferos. Nestes últimos isso é muito raro. Tanto mais interessante é a história de a norte-americana Lydia Fairchild que, depois de acabar com o namorado, resolveu exigir-lhe uma pensão de alimentos. O pai dos seus filhos teve de entregar uma amostra de DNA para o teste de paternidade, assim como a própria Lydia Fairchild teve de o fazer. Foi quando ela teve uma grande surpresa: se verificou que ela não era mãe dos seus próprios dois filhos, assim como do terceiro do qual estava grávida nesse momento. No princípio, os médicos supuseram que isso se deveria a uma transfusão de sangue ou a um transplante de órgãos, só que Lydia nunca foi submetida a processos desse tipo.
As autoridades locais queriam mesmo proceder criminalmente contra ela por fraude, mas o seu advogado apresentou ao tribunal um artigo da New England Journal Of Medicine (Revista Médica de Nova Inglaterra) acerca do quimerismo. Foi então decidido realizar mais algumas pesquisas médicas, os quais revelaram que o DNA dos filhos de Missis Fairchild só confirmava o seu parentesco com a sua avó e mãe de Lydia.
Só se conseguiu esclarecer o mistério depois de analisar cabelos e pelos púbicos da mulher. Se verificou que eles continham material genético diferente. O que se tinha passado foi que Lydia, no estado de embrião, tinha absorvido a sua irmã gêmea, ficando as células desta no seu corpo. Assim, ainda antes de ter nascido, Lydia se tornou numa quimera. Depois de realizadas as análises, todas as acusações contra ela foram retiradas e a sua história foi mostrada na televisão num programa com o nome "O gêmeo dentro de mim".
Até este momento, foram registados cerca de cinquenta casos de quimerismo humano. Os números reais desse tipo de casos podem ser bastante maiores.
A bióloga Svetlana Kasatkina explicou à Voz da Rússia como pode um ser humano adquirir dois tipos de genes e se transformar em quimera:
"O quimerismo se pode desenvolver nas pessoas devido a vários fatores, tanto naturais como artificiais. Os primeiros são os processos que ocorrem no embrião durante a gestação. Dois óvulos fecundados podem se fundir numa só, como foi o caso de Lydia Fairchild, e fornecer ao seu detentor dois tipos de DNA. Depois existe o quimerismo de gêmeos, que é quando gêmeos heterozigóticos trocam células entre si devido à fusão de vasos sanguíneos. O último tipo de quimerismo natural é o microquimerismo fetal-materno. Este ocorre quando as células do feto se introduzem no sistema sanguíneo materno aí se adaptando. Além disso, quando isto ocorre, a mãe do bebé pode se livrar de muitas doenças.
Quanto ao quimerismo artificial, neste caso referimo-nos à transplantologia. No transplante de órgãos às vezes é vital que o organismo se torne numa espécie de quimera para não começar a rejeitar o órgão transplantado. Houve um caso muito curioso quando um homem, portador de HIV e doente com um linfoma, fez um transplante de medula óssea para curar uma das suas doenças, mas de uma forma inesperada ficou também curado dessas duas. O seu dador era portador do gene da imunidade a essas doenças e transmitiu-o juntamente com a medula óssea. O quimerismo é uma tendência na medicina cujo potencial deve ser explorado ao máximo porque tem um potencial simplesmente inesgotável".
Assim, as quimeras humanas podem realmente influenciar em muito o nosso futuro. Os médicos não têm dúvidas que o estudo desse fenômeno vai ajudar a curar muitas doenças que hoje parecem incuráveis.

Fonte: http://portuguese.ruvr.ru/

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

As surpresas de Netuno


O segundo planeta mais distante do Sol se revela um mundo turbulento, circundado de satélites e anéis. Sua lua, Tritão, é uma atração à parte, com geleiras e vulcões de nitrogênio congelado.

por Martha San Juan França


Nunca mais o planeta Netuno será considerado apenas um mundo gigante, meio azul meio verde, quase desconhecido, nos confins do sistema solar. Desde meados do ano passado, quando a sonda americana Voyager 2 sobrevoou os topos das nuvens coloridas, Netuno ganhou uma luzidia cédula nova de identidade, com foto e impressão digital para astrônomo nenhum pôr defeito. As imagens da Voyager 2 revelaram, ao contrário do que se pensava, um planeta ativo, com tempestades e ventos arrasadores, circundado por nada menos de oito luas e cinco anéis, além de uma camada de poeira. Tritão, antes um satélite apagado desse mundo distante, tornou-se depois das imagens da Voyager 2 um dos mais curiosos corpos do sistema solar.
Sabia-se pouco sobre Netuno, é certo, mas havia bons motivos para isso. Oitavo planeta em ordem de afastamento do sol, situado a 4,3 bilhões de quilômetros da Terra, Netuno está tão distante que não é visível a olho nu, assim como Plutão. Mesmo com o auxílio do maior telescópio brasileiro, o refletor de 1,6 metro do Laboratório Nacional de Astrofísica, em Minas Gerais, parece “um minúsculo círculo de luz com uma cor meio estranha brilhando no céu”, como descreve o astrônomo Roberto Martins, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, que há poucos meses observou o astro noites a fio para medir a órbita de seus satélites. Foi preciso que a Voyager 2, no seu giro de doze anos pelos planetas gigantes, que a levou às vizinhanças de Júpiter, Saturno e Urano, passasse a 4850 quilômetros de Netuno no dia 25 de agosto último, para que se pudesse finalmente dar uma boa olhada nesse remoto mundo verde e no seu curioso satélite, Tritão.
Os estudos anteriores à sonda haviam mostrado que Netuno é o quarto maior planeta do sistema, depois de Júpiter, Saturno, e Urano, o que já não é pouco. Com diâmetro de 50 mil quilômetros, é quatro vezes maior que a Terra. Desde que foi descoberto em 1846, ainda não completou uma volta em torno do Sol. Explica-se: está tão distante que seu movimento de translação dura 164 anos e 280 dias terrestres. À distância que se encontra do Sol, não é de admirar que seja gelado. A temperatura ali fica na marca de 200 graus centígrados negativos. Em Tritão, considerado o lugar mais frio do sistema solar, desce a menos de 240 graus.
Netuno guarda a honra de ser o primeiro planeta cuja existência foi deduzida por cálculos matemáticos antes da observação ótica. Desde o fim do século XVIII se suspeitava que um corpo estranho estava alterando a trajetória prevista de Urano, até então o planeta mais distante conhecido. Ao estudar o movimento deste astro, o astrônomo inglês John C. Adams (1819-1892), em Cambridge, e seu colega francês Urbain Le Verrier (1811-1877), em Paris, descobriram, cada qual por si, que as alterações da órbita de Urano se deviam à influência de um astro ainda mais afastado do Sol. Embora Adams e Le Verrier tivessem concluído os cálculos praticamente juntos, não tiveram a mesma sorte na divulgação dos resultados.
As observações do astrônomo inglês, enviadas ao Observatório Real de Greenwich, não foram levadas a sério. Já Le Verrier comunicou suas conclusões ao Observatório de Berlim. Ali, na noite de 23 de setembro de 1846, o alemão Johann Galle (1812-1910) viu o planeta Netuno pela primeira vez. Por sugestão de Le Verrier, Netuno, que possuía uma cor azul esverdeada, recebeu o nome da versão romana do deus grego do mar, originalmente Poseidon. Seus satélites — Tritão, avistado um mês depois, e Nereida, observado apenas em 1949 — receberam seus nomes em homenagem a figuras da mitologia marinha.
Além de influir, na órbita de Urano, Netuno também se parece com ele. Tem quase a mesma composição, massa e tamanho. Como Urano, Netuno tem um centro rochoso envolvido numa bola gigante de neve suja. Essa capa congelada parece feita de água e metano. Em volta fica a atmosfera: hidrogênio e hélio misturados com metano. E por sinal o metano, que absorve a luz vermelha, é o responsável pela cor azul esverdeada do planeta. Essa aparência bizarra de Netuno, Urano e dos outros grandes planetas, tão diferentes da Terra e de seus vizinhos Vênus (SUPERINTERESSANTE número 10, ano 3) ou Marte (SUPERINTERESSANTE número 2, ano 3), tem uma explicação que remonta à formação desses astros.
À medida que se vai além de Marte no sistema solar, penetra-se nos domínios dos planetas gigantes, formados por pequenos núcleos rochosos encapados por grandes esferas de compostos voláteis liquefeitos e gases. Ali não existem superfícies sólidas, a não ser nos satélites. Isso porque a matéria-prima da nebulosa que formou os planetas há 4,6 bilhões de anos variou de acordo com a vizinhança do Sol (SUPERlNTERESSANTE número 11, ano 2). Os mais próximos se tornaram ricos em minerais resistentes ao calor, como ferro, óxidos e silicatos. Os mais distantes, de temperatura mais baixa, concentraram os elementos voláteis: hélio, hidrogênio e outros compostos seus, como metano (CH4), amônia (NH3) e água (H2O).
“O crescimento desses astros pode ser comparado ao de uma bola de neve", explica o astrônomo Oscar Matsuura, da Universidade de São Paulo. "O material de que são compostos se agrega com facilidade e, por isso, quanto mais cresceram, mais atraíram outros elementos à sua volta." Matsuura, que dedicou dezessete dos seus 50 anos ao estudo dos cometas, acabou por se tornar também um interessado na formação do sistema solar. Ele explica que, durante bilhões de anos, este canto do Universo foi o cenário de uma batalha cósmica, na qual asteróides, cometas e meteoros colidiam com o que encontrassem pelo caminho. "As testemunhas mais evidentes desse período turbulento são as milhares de crateras da Lua", indica o astrônomo.
Quando um desses corpos caía na atmosfera de Netuno ou de qualquer outro planeta gigante, obviamente não deixava crateras como provas do choque. Para Matsuura, "existe uma longa história de colisões também no sistema solar exterior". O astrônomo confirma assim informações da NASA, onde geólogos e astrônomos, que trabalharam na interpretação das imagens das sondas espaciais como a Voyager 2, não se cansam de constatar que poucas coisas permaneceram intocadas nessa parte mais afastada do Sol. Uma evidência disso são os anéis.
Nenhum planeta do sistema interior tem anéis, todos os exteriores, com exceção de Plutão, têm pelo menos um. No caso de Netuno, desde 1984, os telescópios terrestres mostraram o que pareciam ser anéis incompletos, chamados arcos. "Se fossem realmente arcos, seriam os primeiros avistados ao redor de um planeta", comenta o astrônomo Jair Barroso, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Barroso especializou-se numa técnica de observação conhecida como ocultação de estrelas. Ou seja, utilizando um fotômetro fotoelétrico rápido acoplado ao telescópio, ele registra a passagem de um astro por trás de outro — um fenômeno que ocorre às vezes em ínfimos um ou dois segundos.
Assim foram percebidos os anéis de Urano e os supostos arcos de Netuno. No começo de agosto de 1989, a Voyager 2 mostrou que entre estes últimos havia segmentos poeirentos muito tênues, por isso mesmo não observados da Terra. As imagens mostraram pelo menos cinco anéis, um deles tão tênue que parece uma camada de poeira. Eles lembram incontáveis luazinhas geladas orbitando o planeta. Podem representar relíquias de um período em que cometas e asteróides batiam nos planetas e se fragmentavam, sendo então capturados pela gravidade do planeta. Ou podem ser restos de uma lua que vagou muito perto e foi despedaçada pela atração de Netuno.
A Voyager 2 descobriu também seis novos satélites rodeando Netuno, designados temporariamente 1989 N1 a N6. "Todos são pequenos e apagados pelo brilho do planeta. Por isso nunca puderam ser avistados da Terra", explica Roberto Martins, o pesquisador de satélites, do Observatório Nacional. As seis luas recém-descobertas tem entre 50 e 200 quilômetros de diâmetro, com exceção da primeira, que chega a 300 quilômetros, quase do tamanho de Nereida. As imagens de suas superfícies escuras, frias e esburacadas reforçam as teorias de catástrofes durante a sua formação. Como a Lua terrestre cheia de crateras, os pequenos satélites netunianos permaneceram intocados nos últimos bilhões de anos.
Nereida, pouco observada pela sonda espacial, tem uma estrutura física ainda desconhecida. Seu formato é irregular e a órbita, a mais excêntrica de todos os satélites: chega a cerca de 1 milhão de quilômetros de Netuno e se afasta para quase 9 milhões de quilômetros de distância. Tritão, por sua vez, com um diâmetro de 4 mil quilômetros, é um dos maiores satélites do sistema solar. Curiosamente, gira em sentido contrário ao das outras luas e ao do próprio planeta. Por causa disso, e da atração gravitacional do astro maior, está se aproximando inexoravelmente de Netuno, e daqui a 100 milhões de anos deverá se partir em pedacinhos, formando talvez um magnífico anel em volta do planeta. "Provavelmente Tritão foi capturado pela atração gravitacional netuniana", especula o astrônomo Matsuura. "Todavia, a captura requer condições muito especiais", ressalva.
Segundo ele, a ciência ainda não tem respostas definitivas sobre a formação dos satélites, apenas algumas hipóteses. "Ou são pedaços do planeta despedaçados pelo choque provocado pela passagem de um grande corpo naquele período de catástrofes, ou objetos espaciais condensados na época de formação do planeta: como estão um pouco mais distantes, não se espatifaram transformando-se em partículas de poeira congelada, como ocorreu com os anéis."
Com tantas informações novas sobre os planetas gigantes, desde o encontro da mesma Voyager 2 com o planeta Urano, há três anos, a equipe da NASA responsável pela sonda vinha aguardando as surpresas de Netuno. O planeta começou a ser observado atentamente muitos meses antes da aproximação máxima. Esperava-se então que as imagens revelassem um mundo tranqüilo, como acontecera na passagem pelo seu irmão mais parecido. Mas desde o princípio começaram a surgir sinais de turbulência. A atmosfera de Netuno revelou faixas distintas e gigantescos pontos escuros. que significam tempestades. As câmeras da nave espacial captaram imagens belíssimas de bancos paralelos de nuvens douradas fazendo sombra sobre nuvens azuis mais embaixo. Havia furacões, um deles com mais de 13 mil quilômetros de extensão, ou seja, com dimensões equivalentes ao diâmetro da Terra inteira.
Essa superventania, que gira na contramão, ou seja, no sentido oposto ao da rotação do planeta, dá uma volta completa por Netuno em 18 horas e 20 minutos, duas horas a mais do que o dia local. Chamada Grande Mancha Escura, ela demonstrou ser mãe fecunda: mais ao sul de onde girava, a Voyager 2 registrou duas manchas menores. Uma delas, uma nuvem branca de metano, se desloca tão rapidamente, a mais de 800 mil quilômetros por hora, que foi apelidada galhofeiramente pelos técnicos da NASA de Scooter (patinete, em inglês). A outra mancha, sem um nome especial, mas quase tão rápida, apresenta como peculiaridade um núcleo mais claro, provavelmente também de metano.
Onde Netuno consegue tanta energia para sustentar fenômenos climáticos desse porte é um perfeito mistério. No caso da Terra, a energia vem do Sol, mas a 4,5 bilhões de quilômetros, Netuno recebe bem menos radiação. Mesmo assim sua atmosfera chega a ser mais dinâmica do que a de Júpiter, seu irmão maior. "Pode ser que o planeta não tenha terminado de se acomodar e possua uma fonte interna de calor", admite Matsuura. "Como Netuno possui campo magnético, isso ajudaria a trazer essa energia para a superfície." O campo magnético de Netuno foi outra das surpresas da Voyager 2. A sonda registrou um forte ruído de rádio ao passar pela turbulência de gases e partículas que formam a magnetosfera do planeta. Ao sobrevoar o lado escuro de Netuno, as câmeras captaram imagens de uma aurora boreal nas regiões polares. Este, como se sabe, é um fenômeno luminoso produzido pela excitação de moléculas por partículas eletricamente carregadas.
As imagens do maior sócio de Netuno, o satélite Tritão, despertaram ainda mais curiosidade nos cientistas da NASA. Descobriu-se um mundo gelado, digno dos filmes de ficção científica, esculpido de duas formas distintas. Uma delas, bastante lisa, formada por campos brilhantes, como se tivessem sido envernizados por algum tipo de material vulcânico. Outra, mais acidentada, apresenta montanhas, crateras e geleiras de metano e nitrogênio congelado. Nessa região existe pelo menos um vulcão ativo, de onde jorram jatos de gás pressurizados, com toda a probabilidade nitrogênio carregado de cristais de gelo e partículas escuras. Provavelmente Tritão tenha sido um planeta independente, como Plutão, com quem se parece em tamanho e talvez em composição. Por algum motivo, foi capturado por Netuno e entrou em órbita ao redor desse planeta. Por ser muito frio e relativamente grande, é capaz de reter uma atmosfera, sendo um dos três astros conhecidos do sistema solar com atmosfera em parte constituída de nitrogênio. Os outros dois são a Terra e Titã, este uma lua de Saturno quase tão grande quanto o planeta Marte.
Na Terra, como se sabe, a composição da atmosfera, entre outras condições específicas, foi favorável ao desenvolvimento da vida. Alguns cientistas, como o físico Carlos Viana Speller, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), na cidade paulista de São José dos Campos, estudam, com as informações enviadas pela Voyager 2, a existência na atmosfera de Titã de compostos orgânicos básicos para as moléculas precursoras da vida. “Se Tritão possui uma composição favorável, pode merecer um estudo semelhante ao de Titã”, comenta Speller. Não é de estranhar. Como observou o astrônomo Edward Stone, da NASA, que recebeu as imagens do satélite, “Tritão é diferente de tudo que já havíamos visto, e pode ser considerado um dos mais interessantes corpos celestes”.


Fonte: superinteressante

Deus não é suficiente para explicar a criação do universo, diz físico ateu

A criação do universo é um dos assuntos que mais divide a fé e a ciência. Se para os religiosos Deus é responsável pelo universo e tudo que nele há, para os cientistas esta explicação não é válida, ou não suficiente como afirmou o físico Stephen Hawkings.
Hawkings participou de uma palestra no Festival Starmus em Tenerife, nas Ilhas Canárias e causou euforia na plateia quando declarou sua posição ateísta quanto ao surgimento do universo.
“Deus não é suficiente para explicar o surgimento do universo”, disse ele sendo aplaudido pelos presentes. “É necessário um criador para explicar como o universo começou? Ou o estado inicial do universo é determinado por uma lei da ciência?”, questionou.
Hawking declarou que a teoria do Big Bang é a melhor forma de explicar como tudo surgiu e fez diversas piadas para entreter quem assistia a palestra fazendo, por diversas vezes, piadas ligadas à religião.
Uma dessas piadas irônicas falou sobre uma palestra sobre cosmologia que ele ministrou no Vaticano. Em um momento membros do clero lhe disseram que era o “suficiente estudar o universo uma vez que ele fora criado, mas não investigar o início em si, já que este é o momento da obra de Deus”.
O físico então falou que já havia apresentado na conferência um documento sugerindo outra explicação para o surgimento do universo, mas que não falou aos clérigos por medo. “Não me agrada a ideia de que eu poderia receber de presente a Inquisição, como Galileu recebeu”, afirmou.
Em outro momento Hawking citou Santo Agostinho quando este questionou o que Deus estava fazendo antes de criar o Universo. Para o físico Deus “estava preparando o inferno para aqueles que fizerem perguntas desse tipo”.
A palestra falou sobre a descoberta de sinais de fundo de micro-ondas, que seria o eco do Big Bang, que pode indicar que o universo não tenha existido eternamente. O físico também comentou sobre a primeira evidência direta para o Big Bang que foi descoberta na Antártica, o que pode comprovar que o universo nasceu de uma explosão cósmica, contrariando o que a Palavra de Deus afirma. 
Com informações O Globo.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Nasa estuda forma de viajar mais rápido que a luz

Agência tenta desenvolver nave espacial capaz de deformar o espaço - e alcançar os pontos mais longínquos do Universo

por Salvador Nogueira

Com a tecnologia atual, a humanidade não vai conseguir chegar longe no Cosmos. As distâncias são muito grandes - e nossos foguetes, muito lentos. Mas um grupo da Nasa diz que é possível construir uma espaçonave capaz de um feito incrível: voar mais rápido do que a velocidade da luz (300 mil quilômetros por segundo). Isso permitiria ir a lugares muito remotos e alcançar os planetas habitáveis mais próximos da Terra. Para fazer isso, a nave teria de deformar o espaço, comprimindo o que está à sua frente e esticando o que está atrás dela, criando a chamada dobra espacial. Pela Teoria da Relatividade, é possível. Só que não é fácil. Seria preciso pegar uma quantidade enorme de massa, equivalente à do planeta Júpiter, e transformá-la em energia (colidindo essa matéria com antimatéria, que pode ser produzida num acelerador de partículas). Inviável.

Mas o físico Harold White, da Nasa, diz que é possível aperfeiçoar o processo - e gerar a energia usando apenas 500 kg de matéria. A energia alimentaria anéis na frente e na traseira da nave, que produziriam um campo gravitacional artificial - deformando o espaço. "Seria o suficiente para alcançar dez vezes a velocidade da luz", diz. Daria para ir até a estrela mais próxima, Alfa Centauri, em meros cinco meses.
Para chamar atenção para seu projeto, White produziu um desenho da nave (veja acima). Ficou linda. Mas ainda é cedo para saber se vai virar realidade. Esses 500 kg de massa ainda são muita energia: cerca de 25 mil tWh (terawatts-hora), tudo o que os EUA consomem em um ano. White, por ora, tem planos mais modestos. Está bolando um teste para demonstrar que é realmente possível gerar uma dobra espacial. A conferir.


Fonte: super interessante

sábado, 20 de dezembro de 2014

As rochas mais velhas da Terra

Geólogos americanos e canadenses descobriram rochas fossilizadas com 3,96 bilhões de anos de idade.


O movimento das placas tectônicas e a erosão provocada pela chuva e o vento praticamente apagaram a memória da Terra: restam raros materiais antigos na superfície para contar a história dos primórdios do planeta. 

Recentemente, geólogos americanos e canadenses descobriram verdadeiros fósseis minerais nas tundras no noroeste do Canadá, que podem fornecer dados valiosos sobre aqueles primeiros tempos. Datadas em 3,96 bilhões de anos, essas rochas são consideradas as mais antigas da crosta terrestre e por isso mesmo surpreenderam os cientistas. 

Elas são rochas graníticas, portanto muito complexas para um período de estruturação do planeta. Segundo o geofísico Igor Pacca, da Universidade de São Paulo, "a existência dessas rochas há quase 4 bilhões de anos pode significar que a crosta se formou mais rapidamente do que imaginávamos".


Visao panorâmica do cinturão de Nuvvuagittuq, ao norte da província de Quebec (Canadá). Nessa formação foram encontradas as rochas mais antigas do planeta, com com 4,28 bilhões de anos (fotos: Science/AAAS).

Foram descobertas no nordeste do Canadá as mais antigas rochas conhecidas da Terra, com idade estimada em 4,28 bilhões de anos. Elas são de uma época em que o planeta tinha poucas centenas de milhões de anos, e têm pelo menos 250 milhões de anos a mais que as rochas mais velhas de que se tinha notícia, encontradas no noroeste do mesmo país. O achado traz pistas valiosas sobre diversos aspectos do passado da Terra. 

“Essas rochas vão nos ajudar a entender como os primeiros continentes foram formados e que processos geológicos estavam envolvidos na formação da crosta no início da história da Terra”, diz à CH On-line um dos autores da descoberta, o geólogo Jonathan O'Neil, da Universidade McGill (Canadá). 

As amostras foram encontradas em formações com rochas feitas de óxidos de ferro precipitados em águas rasas – que os geólogos chamam de formações ferríferas bandadas. “Algumas dessas rochas trarão importantes informações sobre a atmosfera e os oceanos antigos”, conta O’Neil. 

Segundo ele, a descoberta pode desvendar mistérios até mesmo sobre a vida primitiva na Terra. “Alguns geólogos acreditam que a precipitação de ferro nessas rochas provavelmente ocorreu graças à atividade bacteriana”, conta O’Neil. “Se isso estiver correto, essas formações ferríferas bandadas poderiam representar o mais antigo sinal de vida no planeta.”

A foto mostra as rochas com 4,28 bilhões de anos, que os geólogos classificaram como “falsos anfibolitos”. Elas podem trazer pistas sobre a atmosfera e os oceanos primitivos e sobre a formação dos primeiros continentes e da vida na Terra.

A composição química do material é semelhante à de rochas vulcânicas alocadas em locais de choque entre placas tectônicas. “Estudar a composição química das rochas ajuda a entender como elas foram formadas e quais eram os processos geológicos que aconteciam”, afirma o geólogo.  

Repositório de rochas antigas   
As rochas foram apresentadas à comunidade científica em um artigo na revista Sciencedesta semana, que analisa diferentes amostras encontradas, com idade entre 3,8 e 4,28 bilhões de anos. As rochas foram descobertas na região leste da baía de Hudson, no norte da província de Quebec. 

As amostras foram recolhidas em um tipo de formação que os geólogos chamam degreenstone belt (cinturão de rochas verdes, em tradução literal). O sítio em questão era considerado pelos especialistas um repositório potencial de rochas antigas. 

São raros resquícios da crosta primitiva da Terra, que tem idade estimada em 4,6 bilhões de anos. A maioria desse material foi triturada e reciclada seguidamente no interior do planeta desde a sua formação, em decorrência da dinâmica das placas tectônicas. 

“Temos pouquíssimos vestígios da crosta primitiva para analisar e entender a evolução da Terra”, lamenta O'Neil. “Esse cinturão oferece uma oportunidade única para aprimorar nosso conhecimento sobre os primeiros 500 milhões de anos da história do planeta.”  


Tatiane Leal 

Ciência Hoje On-line
25/09/2008


Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/

Dez teorias à procura de uma prova


Algumas hipóteses científicas perturban o senso comum e desafiam a ciência enquanto não se conseguem provas que as confirmem ou desmintam.


Um Universo que se divide sem cessar em infinitos outros mundos. Um planeta dotado de vida, cujos habitantes são escravos de seus genes e um dia serão imortais, fazendo parte de máquinas mais inteligentes do que eles. Eis algumas das hipóteses que perturbam o senso comum e desafiam a própria ciência enquanto esperam o julgamento.

No século XVII, era preciso ter boa dose de imaginação e mente aberta a idéias novas, por mais anticonvencionais que fossem, para aceitar que a Terra girava ao redor do Sol e não o contrário. Os mesmos predicados eram necessários no século passado para que se começasse a desconfiar da existência de organismos ainda menores do que as bactérias, os vírus. Neste século, especialmente nos últimos quarenta anos, as ciências se expandiram tanto e em tantas direções que apenas imaginação e mente aberta não parecem bastar para receber com o devido respeito as elucubrações científicas que a toda hora vêm contradizer verdades aceitas. Isso porque, freqüentemente, as novidades oferecidas pelos cientistas tendem a lidar com conceitos e acontecimentos cada vez mais distantes não só da experiência cotidiana como também dos horizontes intelectuais das pessoas leigas.
Como encarar, por exemplo, a idéia de que o Universo pode possuir uma brecha no espaço e tempo semelhante a um buraco aberto por um verme na polpa de uma fruta? Ou que toda matéria orgânica seria dotada de uma espécie de memória que Ihe permite assumir a sua forma específica? Ou ainda que a Terra é um gigantesco ser vivo, que controla os entes que a habitam? Dez dessas teorias são apresentadas nestas páginas. Elas têm em comum, além da aparente excentricidade, o fato de não haverem ainda vencido cabalmente o desafio da demonstração: só o futuro dirá se de fato desencadearam as revoluções científicas que prometiam ou não passaram de lamentáveis enganos. Instigantes como são, em todo caso, e por trazerem as assinaturas de pesquisadores profissionais ligados quase sempre a boas casas do ramo, merecem ser apreciadas com imaginação e mente aberta até porque, como já foi dito, se a realidade fosse apenas aquilo que aparenta ser, a ciência seria desnecessária.

1 Teorema de Bell

"Quem não estiver preocupado com o teorema de Bell é porque tem uma pedra no lugar do cérebro", afirmou certa vez, maldosamente, a renomada revista científica Physics Today. "Quem", no caso, não seria um mortal comum, preocupado com as trivialidades do mundo aparente, mas algum desbravador dos rarefeitos territórios da Física de Partículas, alguém familiarizado, por exemplo, com o chamado Paradoxo de Einstein - Podolsky-Rosen, ou EPR. Trata-se do mortífero torpedo intelectual armado em 1935 por Einstein e seus colegas Boris Podolsky e Nathan Rosen para pôr a pique o polêmico Princípio da Incerteza, formulado oito anos antes pelo alemão Werner Heisenberg e que constitui um dos fundamentos da Mecânica Quântica. Tal princípio afirma a primazia do acaso na ordem universal; contra ela o mesmo Einstein comentou com sarcasmo que "Deus não joga dados".
Ao contrário da Relatividade, a teoria quântica sustenta que a mera observação de um fenômeno pode afetar o dito fenômeno pelo menos no plano subatômico. Ou seja, a ciência não pode garantir que algo aconteceu efetivamente; apenas pode dizer que existe a probabilidade de algo ter acontecido. Pois bem. Reduzida aos seus termos mais simples, a armadilha montada pela trinca de físicos antiquânticos consistiu em enunciar que a medição de uma partícula jamais poderia afetar outra partícula gêmea que estivesse a anos-luz de distância, pois nada pode viajar mais depressa do que a luz.
Mas, se a Mecânica Quântica estivesse certa, ao mudar o movimento de rotação interna (spin) de uma partícula pertencente a um sistema de duas partículas idênticas, sua irmã gêmea seria afetada, estivesse onde estivesse. Em 1964, o físico americano John Bell, trabalhando no CERN de Genebra, atual Laboratório Europeu de Física de Partículas, construiu a base teórica para se testar experimentalmente o paradoxo EPR. Ele desenvolveu uma fórmula matemática que ficou conhecida como a Desigualdade de Bell, por expressar a diferença entre a teoria quântica e a Relatividade. O resto foi uma questão de tempo. Em 1982, de fato, os resultados de uma experiência com partículas de luz, conduzida pelo francês Alain Aspect, da Universidade de Paris, permitiram concluir que os quânticos afinal estavam com a razão provavelmente.

2 Hipótese Gaia

O planeta Terra está vivo e pode regular a sua geologia, o seu clima e os seres que o habitam. Esta é a essência da Hipótese Gaia, exposta pela primeira vez há quase vinte anos pelo biólogo inglês James Lovelock e considerada atualmente a Bíblia dos ecologistas. Parece estranho à primeira vista que uma bola de rocha fundida, flutuando em algum ponto da Via Láctea, esteja viva e dotada de um mecanismo auto-regulador. Mas Lovelock, um estudioso de várias disciplinas que já foi consultor da NASA, compara o planeta a uma árvore gigante, com 99 por cento de madeira morta, e apenas uma fina película de tecido vivo sobre a superfície.
Segundo a teoria de Lovelock, que recebeu o nome de Gaia em homenagem à deusa grega que designa a Terra, os seres que povoam o planeta se encarregam de produzir dióxido de carbono e outros gases que mantêm a temperatura de sua superfície. São esses mesmos seres que regulam a turbulenta e instável mistura gasosa da atmosfera, ao utilizá-la ao mesmo tempo como fonte de matéria-prima e depósito de materiais que não necessitam. Lovelock afirma, por exemplo, que um dos fatores de equilíbrio do planeta são as florestas, que, ao causar seus próprios incêndios, mantêm a taxa de oxigênio do ar e assim se auto-renovam.
Se a concentração de oxigênio na atmosfera fosse de 30 por cento em vez dos 21 por cento normais, especula o biólogo, os incêndios florestais seriam devastadores. Se, ao contrário, a taxa fosse só de 12 por cento, não haveria incêndios e as florestas acabariam. Qual o papel do homem nesse eterno jogo de xadrez entre a vida e o ambiente? Para Lovelock, o ser humano, parte desse sistema, contribui ao ajuste do equilíbrio terrestre. Mas, adverte, à medida que o homem o altera e prejudica o ecossistema da Terra, ela própria se encarregará de eliminá-lo. Isso lembra inevitavelmente a teoria da mão invisível do mercado, tão cara aos economistas liberais clássicos. Segundo eles, o mercado tende por si só a regular os interesses conflitantes de vendedores e compradores de bens e serviços de modo a manter o sistema em permanente equilíbrio. Existiria também a mão invisível da natureza?

3 Mundos múltiplos

Os princípios da Mecânica Quântica, desenvolvidos a partir da década de 20, segundo os quais a matéria tanto pode manifestar-se como partícula ou como onda, levaram os físicos americanos Hugh Everett III e Bryce De Witt a conclusões que desafiam o senso comum. Segundo afirmam, se existir esse Universo descontínuo implícito nas hipóteses quânticas, a cada momento podem estar sendo criados novos mundos separados e inacessíveis entre si. Ou como afirmou De Witt, atualmente na Universidade do Texas, referindo-se ao movimento que ocorre nas microscópicas dimensões subatômicas da matéria: "As transições quânticas existentes em cada estrela, em cada galáxia, em cada canto remoto do Cosmo, fazem com que ele se divida em incontáveis cópias de si mesmo". De Witt explica que não se trata de algo comparável a imagens espelhadas dos corpos celestes conhecidos, como por exemplo uma Terra igual a esta do outro lado do Universo. Para ele, tais cópias do Cosmo teriam suas próprias dimensões de espaço e tempo, portanto não seriam observáveis nem acessíveis de forma alguma.

4 Universo de dez dimensões

As três dimensões conhecidas do homem são apenas uma fração do total que existe no Universo dez, das quais nove espaciais e uma temporal. Toda essa abundância existe com certeza, senão no Universo, ao menos na teoria das supercordas, formulada, entre outros, pelos físicos John Schwartz, americano, e Michael Green, inglês. Cordas, naturalmente, é força de expressão. Trata-se de fios inacreditavelmente extensos, finos e pesados nos quais se teria cristalizado, logo depois da formação do Universo, parte da energia liberada na Grande Explosão.
A noção de supercordas é uma conseqüência da teoria sobre a unificação das forças básicas do Universo, o que englobaria a gravitação. As dez dimensões, no caso, são artifícios matemáticos que permitiriam essa unificação. Para que o Universo viesse a ser o que é, concebe-se que seis daquelas dimensões se compactaram durante o processo do Big Bang. Em contrapartida, as outras quatro comprimento, altura, largura e o tempo se expandiram. Segundo Schwartz e Green, ainda deve existir algum resíduo cósmico daquela compactação fantástica. Mas onde estariam as seis dimensões ocultas? Em tudo, respondem os pesquisadores, ocupando porém um espaço imperceptível, algo como a expressão 10-33, ou seja, o número 1 antecedido de 33 zeros.

5 Campos morfogenéticos

Quando, em 1981, o jovem biólogo inglês Rupert Sheldrake (rima com Mandrake) publicou a obra em que expunha sua excêntrica teoria dos campos morfogenéticos, a respeitada revista científica britânica Nature afirmou que o livro era "o melhor candidato que havia aparecido em muitos anos para ser lançado ao fogo". Um colega de Sheldrake, talvez mais caridoso, limitou-se a dizer que suas idéias eram "moderadamente brutas". De fato, contrariando os conceitos fundamentais da Biologia Molecular, Sheldrake, um especialista em fisiologia vegetal que foi trabalhar na mística Índia, formulou a hipótese de que a forma e mesmo a conduta de toda matéria orgânica, das células aos organismos complexos, é determinada por um tipo peculiaríssimo de memória, os campos morfogenéticos.
Graças a eles, por exemplo, o DNA de uma célula da pele do braço saberia por assim dizer que pertence ao braço e não ao fígado e isso explicaria por que as formas de um organismo se preservam, embora as células se renovem sem cessar. Em outras palavras, cada nova célula já nasceria conhecendo o seu lugar, sem ter sido ensinada pela herança das miríades de células que a antecederam. Mais ainda: essa misteriosa, impalpável memória se acumularia entre os seres vivos de uma mesma espécie de tal modo que os novos membros aprenderiam determinada tarefa sempre mais facilmente do que seus ancestrais.
Segundo Sheldrake, o campo morfogenético estaria para a Biologia como o campo gravitacional está para a Física: uma área elástica na qual uma grande massa provocou um afundamento. O campo das formas seria semelhante, uma dimensão plana até aparecer o primeiro átomo, que nela produzirá a primeira dobra; quando a forma estiver completa, haverá ali um vale. Quanto mais a forma se repetir, mais fundo será o vale alcançando profundidades abissais no caso de formas com milhões de anos de existência. As células encontrariam o campo morfogenético que lhes corresponde por meio de um efeito que Sheldrake denomina ressonância morfogenética, algo tão imaterial que não seria descabido comparar à telepatia. E o DNA, enfim, seria a antena que captaria as mensagens pelas quais as células se orientariam.

6 Buraco de verme

Um dos conceitos da Física moderna que mais arrepia o senso comum e soa extravagante mesmo para ouvidos habituados aos malabarismos cosmológicos é o do buraco de verme nada menos do que um rasgo no tecido do espaço e tempo ou, como já foi comparado, um túnel às paragens mais remotas do Universo. A idéia de que o Cosmo possa comportar tal abertura, da mesma forma que uma fruta pode conter em sua polpa uma cavidade aberta por um inseto, foi anunciada num congresso científico americano há exatamente um ano pelo físico Alan Guth, do Massachusetts Institute of Technology, o respeitado MIT. No início da década, Guth também espantou muita gente ao propor a teoria chamada do Universo inflacionário, segundo a qual, uma fração de segundo depois do Big Bang, a matéria, ainda incrivelmente condensada, começou a inflar como um balão e nunca mais parou, gerando o Universo conhecido.
O conceito do buraco de verme descende em linha direta da noção da Relatividade formulada por Albert Einstein. Nela, o genial físico sustentava que corpos extremamente densos ou maciços distorcem o espaço e o tempo nas proximidades. Ora, raciocinou Guth, uma dessas distorções poderia assumir matematicamente a forma de um tubo. atravessando o Universo por dentro. Daí a analogia com o buraco através do qual um bichinho entra numa maçã, percorre o seu interior por esse atalho e sai do outro lado muito mais depressa do que se tivesse feito o mesmo itinerário rastejando pela casca.
A implicação da idéia para a Cosmologia é atordoantemente simples: a partir do buraco de verme, um novo Universo poderia formar-se, criando seu próprio tempo e espaço no processo, segundo teoriza Guth. Já para a fantasia científica, a implicação não é menos embriagadora: a partir do buraco seria possível fazer viagens instantâneas no tempo, rumo ao futuro bem como ao passado. O problema é que o buraco aberto pelos conceitos de Guth seria mais estreito do que um átomo, com a desvantagem adicional, por razões que a razão mal consegue conhecer, de sumir no mesmo momento em que se formou.

7 Era do silício

As previsões aterradoras de certos contos de ficção científica de um Universo dominado pelas máquinas, em que o homem seria apenas um escravo dos computadores, não assustam o cientista da NASA Robert Jastrow. Astrônomo e geólogo, Jastrow lidera uma corrente de pensamento entre o místico e o científico que acredita na possibilidade de uma fusão do homem com os equipamentos por ele criados, visando a sua própria imortalidade e não acha nada de errado nisso. "A Terra está assistindo ao fim da era em que a vida se baseou no carbono", assegura o cientista, referindo-se à matéria-prima dos seres vivos. "Em seu lugar estão começando a aparecer novas formas de existência indestrutíveis imortais, com infinitas possibilidades baseadas no silício", a matéria-prima dos chips eletrônicos.
Segundo as surpreendentes idéias de Jastrow e de outros que pensam como ele, o computador cada vez mais especializado salvará a humanidade de um mundo cada vez mais complexo. O engenheiro americano James McAlear, por exemplo, fundou uma empresa especializada na fabricação de biochips. O seu grande sonho é criar uma espécie de cyborg, como o personagem do seriado americano de televisão, parte humano e parte máquina, que supere em eficiência os simples mortais.

8 Memória holográfica

Durante muito tempo se pensou que a memória habitasse no cérebro um espaço determinado. Pensou-se também que esse domicílio ficasse na região chamada hipocampo, no centro da cidade cerebral e de fato o hipocampo tem papel decisivo na fixação das informações a serem armazenadas no processo de memorização. A idéia de que as lembranças têm residência fixa foi um desdobramento da teoria segundo a qual cada manifestação do organismo, sem exceções, possui casa própria na anatomia do cérebro. Embora elegante, esse modelo não conseguiu passar pela prova das experiências em laboratório. Isso induziu os cientistas a buscar uma hipótese alternativa para explicar o mistério da memória.
Entre outros, o neurofisiologista americano Karl Pribram, da Universidade de Stanford, na Califórnia, acabou encontrando o que lhe pareceu a chave do enigma: a memória não se localizaria em algum ponto específico da estrutura cerebral, como um documento impresso apenas ali, mas se distribuiria igualmente por toda parte do cérebro, como um holograma no espaço. Justamente ao conhecer os fundamentos matemáticos do holograma, descobertos pelo húngaro Denis Gabor, pesquisadores como Pribram perceberam de estalo as analogias entre aquela técnica e a memória. No holograma, com efeito, as informações se encontram uniformemente divididas, ou seja, cada parte contém a imagem do conjunto. Segundo Pribram, todos os estímulos chegam ao cérebro como se fossem dados matemáticos percorrendo as células nos impulsos nervosos. E o cérebro os codifica em forma de holograma, armazenado como uma impressão na estrutura cerebral inteira.

9 Panspermia

No começo do século, o físico-químico sueco Svante Arrhenius (1859-1927), Prêmio Nobel em 1903, sugeriu que as minúsculas formas primordiais de vida na Terra vieram do espaço, propelidas por algum vento cósmico. Embora não tivesse base científica, a suposição serviria de fundamento, várias décadas depois, para uma original hipótese sustentada pelo cientista inglês Fred Hoyle e pelo cingalês Chandra Vickramansinghe. Para eles, os microorganismos originais alcançaram a Terra a bordo de um cometa que desabou aqui há cerca de 4 bilhões de anos. A hipótese contesta a idéia mais aceita sobre a origem da vida terrestre a partir da chamada sopa primitiva onde se teriam formado, com o concurso da energia desencadeada por chuvas de relâmpagos, as primeiras moléculas orgânicas; delas se originariam os aminoácidos, as proteínas, os genes e, enfim, por sucessivas mutações, organismos cada vez mais complexos.
Hoyle calcula que, para surgir uma única proteína, teriam sido necessárias algo como 1040 (o número 1 seguido de quarenta zeros) tentativas de combinações de aminoácidos uma probabilidade virtualmente nula mesmo nessa loteria de dimensões cósmicas. Já o cometa, argumenta ele, é um maravilhoso veículo interestelar, cuja cauda desprende um calor capaz de proteger seus eventuais micropassageiros das baixíssimas temperaturas no espaço. Na suposta colisão com a Terra, tais passageiros foram parar num ambiente paradisíaco, onde a água do oceano e a radiação solar lhes davam sustento e condições de se desenvolver. Essa hipótese supõe que a vida surge em toda parte no Universo, daí o nome panspermia (do grego pan, total, e sperma, semente). É. Pode ser.

10 Gene egoísta

O biólogo inglês Richard Dawkins, professor da Universidade de Oxford, defende uma idéia assustadora: todo ser vivo é na essência um escravo de seus genes e tudo o que faz se destina no fundo a garantir a sobrevivência, não exatamente de si próprio como indivíduo, mas dessas moléculas da vida. E a evolução seria o mecanismo que proporcionaria condições cada vez melhores à existência e à reprodução dos genes. Assim, dotados da extraordinária propriedade de criar cópias de si mesmos, os genes induziriam o processo de seleção natural sempre de modo a aumentar as suas chances de perpetuar-se. Isso equivale a dizer, por exemplo, que um peixe é uma máquina destinada a assegurar a sobrevivência de genes no meio aquático, assim como os pássaros no meio aéreo.
O gene, de acordo com essa tese, poderia ser comparado a um patrão que tivesse uma e apenas uma idéia fixa sobreviver a qualquer custo e obrigasse os seus servos a trabalhar para sempre exclusivamente com tal objetivo. Isso engendraria o egoísmo humano, também absoluto, mesmo quando o que se manifesta é o seu oposto, o altruísmo, o comportamento capaz de desconsiderar conveniências pessoais em beneficio do outro. Nada disso, sustenta Dawkins. Toda conduta expressa uma insondável estratégia dos genes, como se eles tivessem procedido a uma análise exaustiva, em cada caso, do que assegura maior probabilidade de sobrevivência. Ou seja, o altruísmo seria o egoísmo mais eficiente para uma situação especifica. Dawkins jura que ele mesmo não consegue acostumar-se com essa sua idéia. Não deve ser o único.

Para saber mais:
Tunel do tempo
(SUPER número 9, ano 10)

Fonte: super interessante